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Lula: do sindicalismo ao cárcere


Um dos líderes mais populares da história do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva chega à prisão neste sábado pela segunda vez em sua vida, mas de uma forma bem diferente: se na primeira foi encarcerado por desafiar a ditadura militar ao liderar históricas greves no ABC e fundar o Partido dos Trabalhadores, desta vez ele foi detido sob o peso de uma condenação a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em processo da Operação Lava Jato. A trajetória do petista começa na infância pobre no interior de Pernambuco, passa pela viagem em um pau-de-arara (caminhão que levava migrantes que fugiam da seca no Nordeste) a São Paulo e pela vida operária no ABC até chegar à Presidência da República, com duas vitórias eleitorais, um recorde de aprovação positiva e a eleição da sucessora, Dilma Rousseff. Essa primeira etapa da saga rendeu o filme Lula, o Filho do Brasil (2010). A segunda foi trilhada a partir de 2014, quando a Lava Jato passou a desvendar um gigantesco esquema de corrupção na Petrobras, no qual o petista acabou enredado. Essa segunda parte rendeu outro filme, Polícia Federal – a Lei é para Todos (2017), e a série O Mecanismo, da Netflix, que estreou em março deste ano. A prisão deste sábado também foi digna de filme: condenado, Lula se refugiou no mesmo Sindicato dos Metalúrgicos, de onde, cercado por apoiadores, tentou transformar a detenção em um ato político.

Conheça os principais pontos da trajetória de Lula:


A ORIGEM


Lula, então dirigente sindical, fala a metalúrgicos em greve, no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, em 1979 (IRMO CELSO/VEJA)



Luiz Inácio da Silva, ainda sem o Lula, nasceu em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945. Como muitos nordestinos, fugiu da seca e das más condições de vida e, com a família, se mudou em um pau-de-arara para Santos, no litoral de São Paulo. Mais tarde, migraria para São Bernardo do Campo, onde começaria a trabalhar como torneiro mecânico. Foi ali que Lula se tornou um importante personagem nacional, a partir de 1969, quando se engajou na política sindical. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo a partir de 1975, ele organiza um ciclo de grandes greves entre os anos de 1979 e 1980, desafiando abertamente a ditadura. No auge do conflito, em 1980, os militares intervêm na entidade, afastam e, posteriormente, prendem Lula, que é recolhido ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social), um dos principais órgãos de repressão da ditadura, onde fica 31 dias. Pouco antes de ser preso, ele já se tornara um personagem-chave na política nacional ao liderar a construção e fundação do PT – depois, teria participação importante também na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).


O INÍCIO DA VIDA POLÍTICA


Luiz Gushiken, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do PT, e José Dirceu, secretário-geral do PT-SP, em 1984 (EDGARD LEURENTOTH/VEJA)


Dois meses antes de ser preso, Lula fundou o Partido dos Trabalhadores (PT), uma união entre líderes sindicais e intelectuais de esquerda contrários à ditadura militar. A prisão pela greve catapultou a imagem de Lula e, livre, ele foi crescendo progressivamente como liderança popular. Sua primeira empreitada política, a candidatura ao governo de São Paulo em 1982, não foi bem-sucedida, mas ele teve uma votação significativa – alcançou 10% dos votos. Nos anos seguintes, Lula foi uma liderança na campanha pelas Diretas Já, que pedia eleição direta para presidente da República já em 1985, e eleito para a Assembleia Constituinte em 1986, no único mandato eletivo que exerceu antes de comandar o país. Na Constituinte, trabalhou pelo direito à greve, mas ficou, assim como toda a bancada petista, como um radical, ao votar contra a aprovação do texto elaborado pelo Congresso. Anos depois, ele fez um mea culpa sobre a iniciativa.


A SAGA PELA PRESIDÊNCIA


Lula cumprimenta Fernando Collor no primeiro debate eleitoral do segundo turno da disputa presidencial de 1989, intermediado pela jornalista Marília Gabriela (//Dedoc)


Depois da experiência como deputado federal constituinte, Lula concentrou seu esforço em um único objetivo: ser presidente da República. Na eleição mais fragmentada da história recente, em 1989, o petista foi, pouco a pouco, conseguindo se converter no principal expoente da esquerda, angariando o apoio no segundo turno de figuras como Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB). A histórica campanha embalada pelo jingle “Lula lá, brilha uma estrela” começou a transformar o petista em um personagem central da política brasileira, que despertava o temor dos setores mais conservadores da sociedade e, por outro lado, encarnava uma figura mítica entre os eleitores mais à esquerda no campo ideológico. No final, acabou derrotado por Fernando Collor (à época no PRN), presidente que, dois anos depois, o petista ajudaria a derrubar com um processo de impeachment. A queda de Collor, que era a antítese de Lula em 1989, tornou quase automática a ideia de que o petista poderia ganhar as eleições seguintes, em 1994. No entanto, ele não contava com o sucesso do Plano Real, adotado no governo de Itamar Franco, que conseguiu controlar a inflação após décadas de tormenta e catapultou seu principal expoente, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que venceu no primeiro turno. Quatro anos depois, o petista voltou à carga, agora com Leonel Brizola como candidato a vice-presidente. Enfrentando a máquina tucana, comandada pelo primeiro presidente a disputar uma reeleição, o petista não conseguiu, mais uma vez, levar a eleição ao segundo turno – FHC foi reeleito.


LULA PRESIDENTE


Depois de liderar a oposição por mais de vinte anos, Lula foi eleito presidente da República em 2002 (Jonne Roriz/Agência Estado/.)


Foi só na quarta tentativa que Lula conseguiu se eleger presidente do Brasil. Publicando a “Carta aos Brasileiros”, um documento em que prometia que não mudaria os principais pontos da política econômica vigente até então, ele conseguiu pela primeira vez angariar apoio de parte da classe média e do empresariado – o mineiro José Alencar, dono de empresas do ramo têxtil de Minas Gerais, foi seu candidato a vice, e reduziu a resistência ao seu nome. Diante da impopularidade atravessada pelo governo tucano na reta final do segundo mandato de FHC, o que dificultou a vida de José Serra (PSDB), candidato do governo, Lula conseguiu levar a eleição ao segundo turno e, lá, agregar a esquerda em torno do seu nome, o que permitiu que ele fosse eleito presidente, tomando posse em 1º de janeiro de 2003. Os mandatos de Lula, reeleito em 2006, foram marcados por uma expansão da interferência do Estado e das políticas sociais, em especial o Bolsa Família, um amplo mecanismo de transferência de renda que tirou milhares da linha da pobreza extrema. Diante da crise econômica mundial de 2008, o Brasil conseguiu manter altos níveis de crescimento e redução das desigualdades, o que permitiu ao petista que chegasse à casa de 80% de popularidade ao final do seu governo, fazendo a inexpressiva ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), como sua sucessora nas eleições de 2010. A principal mácula do período do ex-presidente no Planalto foi o escândalo do Mensalão, em 2005 e 2006: o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, denunciou a existência de um esquema em que o governo do petista comprava votos de parlamentares de diversas legendas com uma espécie de propina mensal. O escândalo levou ao banco dos réus e à prisão nomes fortes do PT, como o ex-ministro José Dirceu e o presidente do partido, José Genoino, mas Lula ficou de fora da denúncia criminal.


A VIDA APÓS O PLANALTO


Lula e Dilma, na abertura do 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores em Brasília – 01/06/2017 (Lula Marques/Agencia PT/Dedoc)


Saído da Presidência “nos braços do povo”, Lula gozou por cerca de três anos de alta popularidade. Fez palestras caríssimas pelo mundo e se postava como referência mundial no combate à desigualdade social, enaltecendo os feitos do seu governo – depois se saberia que muitas dessas palestras eram bancadas por empresas envolvidas nos esquemas investigados pela Operação Lava Jato, em especial a Odebrecht, A situação começou a mudar a partir de junho de 2013, quando volumosos protestos de rua escancaram o descontentamento de boa parte da população com a situação política do país, fazendo despencar a aprovação da presidente Dilma Rousseff. Naquele momento, Lula assistia uma articulação de aliados, como a então petista Marta Suplicy, pelo “Volta, Lula”, a ideia de que o ex-presidente deveria disputar a eleição de 2014 para salvar o legado do PT. Como Dilma se recusou a abrir caminho, o petista ficou de fora da eleição. Em 2014, além da recondução da então presidente, um fato viria a ser mais um divisor de águas para Lula: começou a Lava Jato, que desvendou um vasto esquema de corrupção na Petrobras, em fatos ocorridos durante seu governo. Com o avanço dessa e de outras investigações, como a Zelotes, o petista se tornou réu em seis casos e, em julho de 2017, foi condenado pela primeira vez: nove anos e seis meses de prisão, por receber de forma ilícita a promessa de posse e a reforma de um apartamento tríplex no Guarujá (SP). Seis meses depois, em janeiro de 2018, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou a sentença e aumentou a pena para 12 anos e um mês. Desde então, o ex-presidente lutava com recursos judiciais para que não fosse preso, mas não deu certo: encerrada a tramitação do caso em segunda instância e sem um habeas corpus preventivo, Lula foi preso. Não se sabe por quanto tempo ele efetivamente ficará, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) segue decidido a rever a prisão após o segundo grau, mas é inegável que a ida para atrás das grades tem um aspecto muito diferente do que aquela de 38 anos atrás: desta vez, não é por defender os trabalhadores nem incitar uma greve, mas sim por uma condenação criminal.

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